Retrospectiva mostra como coexistem em Angelo Venosa aquele que disseca naturezas mortas e o que as faz reviver
Parecem fragmentos de corpos: carcaças, crânios, esqueletos, vértebras e dentes. São vestígios de seres assombrosos, excêntricos e estranhos, mas também suas imagens seccionadas, sua anatomia examinada. O espaço expositivo assemelha-se assim a um sítio paleontológico ou ao laboratório de um patologista. É como se estivéssemos em uma era irreconhecível, entre o arcaico e a pós-hecatombe: entre uma atemporalidade remota - um tempo anterior a seu escoar - e o estupor de um tempo já morto e fossilizado; entre a dessemelhança de um bestiário ancestral, de um mundo tão enigmático que está ainda por nomear, e um mundo ultracodificado e perscrutado, em que os testemunhos das existências, as palavras que animavam as coisas e suas histórias restam esgotadas. Entre uma natureza (ainda) a conceituar e uma natureza (já) morta.
"O trabalho de Angelo Venosa é uma enquete permanente sobre o estado físico da escultura, sobre a morte temporal dos objetos", escreve Ligia Canongia, curadora da mostra.
Com mais de 30 anos de trajetória, as obras reunidas no MAM RJ nos permitem perceber as transformações de sua poética, mas também as inquietações e obsessões que a conduziram. Dizem que, no artista, convivem duas pulsões: a que constrói estruturas geométricas e a que molda e disseca organismos com certa tonalidade lúgubre e taciturna. Vemos ali tanto suas primeiras peças, em que a ossatura de seus "organismos" era coberta por uma pele de tecido e gesso, quanto a posterior inversão do processo, em que o artista retira a pele, abandona o molde e descarna a escultura, revelando sua estrutura, o esqueleto que a sustentava, sua interioridade e seu vazio. É dele a escultura apelidada "baleia" que se encontra na praia do Leme. Como se não bastasse, o processo de fragmentação seria interiorizado: o que era o fragmento de um corpo seria dissecado em inúmeras camadas. Com a ajuda do computador, o artista fatiaria o corpo em lâminas de vidro ou acrílico, como uma imagem tomográfica. Com planos enfileirados, por vezes suspensos no ar, a figura é seccionada e a perspectiva do volume é desenhada no espaço pelas camadas sucessivas. Conforme nos deslocamos ao seu redor, perdemos e recuperamos sua imagem completa. Inicialmente pintor, o deslizamento e a ambivalência entre o pictórico (o plano) e o tridimensional seriam recorrentes em sua obra.
À medida que a fragmentação era interiorizada, o vazio seria cada vez mais exteriorizado. A princípio ocultado no interior das peças, depois desvelado na estrutura, o vazio se instalaria a seguir, intervalar, entre as fatias diáfanas, ou constituindo o próprio corpo, como em "Turdus 170". Nessa escultura, o crânio de um pássaro (fictício ou não) foi seccionado em lâminas de acrílico justapostas, mas seu volume (seu corpo) é dado por sua ausência - o fóssil torna-se uma aparição incorpórea, o etéreo e o espectral se mesclam e se confundem. Em um trabalho recente feito de placas de alumínio preto costuradas, pele e esqueleto, superfície e estrutura tornam-se um só objeto facetado e geométrico, todavia impenetrável e cego. "Entre o artesanato e a máquina, a razão e o delírio", observa Canongia, o artista "cria situações fronteiriças, que se alternam do fragmento ao todo, do linear ao informe, do lírico ao fantasmático".
Parafraseando Walter Benjamin, ao comparar o pintor e o cinegrafista ao mágico e ao cirurgião, diria que, em Angelo Venosa, coexistem o mágico e o paleontólogo: o que funda mundo e seres (já mortos) e o que disseca e examina sua morte (para fazê-los reviver).