Sua resistência ao óbvio, contudo, é silenciosa e singular

Matéria para O Globo por Luiz Camillo Osorio Almeida

Um escultor antipop na contramão do previsível

O trabalho de Angelo Venosa está sempre reagindo ao que se espera dele, na contramão do previsível.

Sua resistência ao óbvio, contudo, é silenciosa e singular. Nos anos 80, quando a maioria apostava no prazer da pintura - que na verdade acabou transformando-se no prazer do mercado - Venosa apareceu no circuito com suas esculturas orgânicas, arqueológicas, em nada agradáveis ou prazerosas.

Depois, assim que voltou da Bienal de Veneza, em 1993, Venosa mostrava um misto de fascínio e estupefação pela "vaca fatiada" e cristalizada em formol do artista inglês Damien Hirst; logo ele, que lá mostrara uma escultura um tanto escatológica feita com uma ossada de boi. Passados os anos, percebemos que o fascínio levou-o na direção oposta. Em vez do sensacionalismo de dar ao orgânico um tratamento tecno-pop, Venosa optou pelo recolhimento artesanal e precário do vidro. Ou seja, quando o escatológico virou pop ele se desinteressou e foi na outra direção. Sua postura antipop põe em foco toda uma dificuldade da arte atual no que diz respeito à sua inserção na cultura contemporânea. Parece que se criou uma equação irreversível entre a busca de uma linguagem pop e a banalização. A tendência, de fato, tem sido esta. Os riscos são grandes, todavia o horizonte de intervenção da arte está aquém de sua potencialidade. No caso de Venosa, no entanto, o seu surgimento no meio de um certo oba-oba da geracão 80 explica sua aversão a uma maior visibilidade do trabalho e certa hesitacão quanto a sua penetracão cultural.

Há nesta exposicão do Paço Imperial trabalhos em madeira que são bons mas sem a surpresa e a força dos realizados em vidro. O desenho de um crânio construído através das camadas de vidro intriga pela sutileza e pelo apuro técnico. Há também os vidros com formas desenhadas em sal, que, além de retomarem um movimento orgânico, põem em tensão dois materiais inusitados do ponto de vista da construção escultórica. Ambos, o vidro e o sal, potencializam-se pela oposição. Suas diferenças se somam sem se excluirem. Este elemento é a inteligência escultórica do trabalho. Sua estabilidade instável revela-se atual e lírica. A outra série de vidros, os perfis de amigos e parentes, sugere uma nova direção para o trabalho de Venosa. Uma poética mais fria, mas não menos lírica, ganha lugar. A resistência do vidro e sua transparência obrigam o artista a lidar mais com a matéria e menos com suas insinuações. Nestes re tratos, o mais interessante é a maneira como a precisão da forma joga com a imprecisão do contorno. Uma coisa que ainda tem que ser pensada é a relacão da base de madeira com o vidro: às vezes ela interfere demais.