A obra de Venosa põe em xeque o conceito costumeiro de mímese.
Sua arte não se recusa a imitar a natureza, como a maioria das estéticas desse século, nem reduz a natureza a um sistema de signos, a uma imagem ou a um estímulo perceptivo, como as correntes realistas e neo-figurativas. Simulando procedimentos orgânicos repete a relação de esqueleto e pele, osso e cartilagem, matérias fluidas e coaguladas. Pondo-se não à frente, mas atrás da natureza, como se esta fosse produzida por seu gesto, o artista assume literalmente o papel de criador. É, todavia, um criador que não pode transmitir a vida. Muito pelo contrário, o ato de formalizar imobiliza o processo orgânico numa tensão oca, imóvel. Com isso, a escultura se aproxima à sua matriz pré-histórica: a múmia. O ato de reproduzir, como a quebra de um tabu, engendra uma maldição: o objeto natural resseca, incha, perde função e sentido. Nele permanece apenas o impulso primário, congelado num esforço inútil: a pele retesada, os dentes.
Numa das obras dessa exposição, Venosa dispõe em círculo cabeças de fêmur, fielmente imitadas em mármore. O organismo já morto passa, mediante a reprodução, por uma segunda morte, e é finalmente revitalizado, mas de forma indireta, por uma disposição ritual. A mesma cabeça de fêmur é o modelo de uma grande escultura composta por 142 placas de ferro, empilhadas como as linhas altimétricas de um mapa. Destituída de função, detalhada por um cálculo engenheirístico, a forma do osso se torna arbitrária, e revela assim a fragilidade da distinção entre o orgânico e inorgânico, formal e informe. No entanto, o próprio peso descomunal da escultura, seu excesso de massa, a maneira pela qual as placas se sobrepõem, como numa pilha de Volta – tudo isso restitui ao objeto um alo de vitalidade, uma eletricidade mesmérica.
Nas esculturas em cera, o contraste entre organicidade e formalização se dá de maneira ainda mais evidente. Paralelepípedos ou cilindros polidos, têm uma abertura, também geométrica, que os atravessa de lado a lado crivada de dentes. Os dentes transformam o interior oco das figuras numa garganta ou estômago que, em vez de se colocar no espaço, o agride. A própria cera, aliás, matéria orgânica, possui uma respiração que contradiz a nitidez matemática dos planos. Se nas outras esculturas Venosa congela o material orgânico, aqui procede na direção oposta: a partir de uma forma perfeita e, portanto, morta, estabelece uma relação gulosa, passional, com o espaço vazio. Transforma a geometria em organismo. O que está em jogo, portanto, não é a imitação das aparências da vida, mas a imitação da própria vida, da maneira pela qual a vida se apropria do espaço. A emotividade agressiva que exala desses trabalhos não está no receptor nem no produtor – o gesto de Venosa é frio, assim como frio é o olhar que ele exige. Surge da própria obra, como uma espécie de vontade surda e já meio apagada de sobreviver, às custas de tudo o que está em volta. Daí, e não de deformações ou de detalhes macabros, deriva o caráter monstruoso dela.
Para que a vida possa ser recriada, os materiais devem ser capazes de viver, e no entanto estar mortos. Por isso, os elementos a serem investigados são aqueles em que o ser vivo se confunde com a coisa inanimada: os ossos e os dentes, a cera, a couraça, dos grandes insetos. Ou, por outro lado, os metais, ferro e chumbo, massas de alta densidade, em que a energia vital pode ser acumulada antes de ser reposta em circulação. O que anima esse material ressecado, mumificado, inerte, é sempre um desequilíbrio. Excesso de leveza, como nas obras expostas na Bienal de São Paulo, grandes insetos que pareciam crescidos além do limite de sua própria massa. Excesso de densidade, como nos últimos trabalhos. Ou também uma jogada repentina, como nas duas caveiras de boi que se juntam pelos dentes, por uma solda de metal fundido – bichos gêmeos surpreendidos pela morte no ato de devorar-se um ao outro. A morte os salvou, porque garantiu suas permanências. E, todavia, a forma morta só faz sentido se remete à vida que continuamente se destrói.