Rio, Abril 1993.
Percebe-se diante das obras de Angelo Venosa uma filiação romântica inequívoca. Esta afirmação, todavia, deve ser esclarecida de forma a não tomarmos seu romantismo errôneamente.
Há uma tendência em compreender o romantismo – o que não é falso, apesar de simplista - como a valorização da subjetividade agônica do artista. A obra de arte revelaria uma interioridade em conflito com o mundo. A potência da obra não estaria mais nela mesma, nas suas qualidades estéticas, mas na expressão daquele conflito. Não é, contudo, por este viés subjetivista - tão evidente na geração 80 - que aqui se querem aproximar os trabalhos de Venosa da tradição romântica.
O que nos fez vê-lo como pertencente a esta tradição aparece em duas características importantes de seus trabalhos: o tratamento dado à dimensão estética e a sua relação com a matéria.
Os trabalhos de Venosa - tanto os aqui expostos como no conjunto de sua obra - suscitam no espectador um certo estranhamento. Este fato por si só não compromete o relacionamento com os trabalhos; o problema surge quando, apressadamente, associamos o estranhamento a uma qualidade "inestética" da obra, condicionando-se assim a experiência estética ao belo. É justamente no contraponto a esta posição que se pode tomar emprestada uma categoria estética romântica: o sublime. Vejam bem, não se pretende com isso dizer que os trabalhos de Venosa recuperam uma categoria ultrapassada, pertencente ao século XVIII. Uma olhadela mais atenta à história da arte moderna percebe sua participação (do sublime) em diversas poéticas do século XX, chegando aos nossos dias de maneira emblemática através da obra de Joseph Beuys.
O sublime, apesar de ter sido usado originalmente por Kant para falar da natureza, veio interessar aos românticos (e a inúmeras poéticas posteriores) na medida em que o impacto originário de desconforto e precariedade enfrentava os cânones das Belas-Artes. O sublime é uma qualidade estética fincada no inabitual, na desarmonia. Como o são os trabalhos de Venosa. Todavia, esta desarmonia não se esgota nela mesma. Ela impele o espectador na reflexão, no pensamento, numa busca de significação que sugere uma reconciliação, uma harmonia possível. A diferença entre a harmonia obtida pela experiência do sublime e aquela realizada pela beleza, é que nesta o acabamento da forma garante ao olhar um acesso facilitado, enquanto que no sublime uma "potência deformadora" exige da razão uma projeção de idéias geradora da harmonia. Harmonia esta que não significa o estiolamento da estranheza, mas a possibilidade de convivermos com ela. Uma espécie de repouso no movimento. Estas idéias, porém, não são abstratas, conceituais, mas estéticas. Elas são desveladas pelo espectador no seu esforço de fazer entregar-se a obra ao seu olhar; mas estas idéias só se fazem presentes porque de alguma forma o artista já as havia incutido na obra.
Neste aspecto, cabe ressaltar a importância da relação de Angelo Venosa com a materialidade de suas obras. Pois é através do cuidadoso manuseio com a matéria que Venosa insere na obra o elemento regulador da idéia, do espírito. Os materiais escolhidos (cera, chumbo, dentes, resina, piche etc) são os mais refratários possíveis para a ordenação formal. Sua obra vive do livre-jogo entre a intenção e o acaso de uma forma final. Nesta ambigüidade a genialidade do artista vai encontrar, na relutância "inconformada" de seus materiais, um "momento de forma" : a obra de arte.
Fala-se aqui de um "momento de forma" por saber-se que a eternidade da forma é um ideal próprio às Belas-Artes. Mais ainda, fala-se de um "momento de forma"
pois se o olhar do espectador não se encontrar com a idéia da obra, o "momento" passa despercebido. Por outro lado, esse "momento de forma" não se dá nunca por acabado, exigindo sempre um esforço de atualização. É o mesmo repouso no movimento...
Resta ainda uma última palavra sobre esse "desenho objeto" exibido nesta exposição. Já denominá-lo "desenho objeto" soa paradoxal. Todavia, pode-se ver que há um aproveitamento de materiais usados anteriormente no espaço real – tridimensional – e que agora são levados para a frontalidade do desenho. O que se deu nesta passagem? A transformação da matéria informe em medida. A expansão da cera está contida nos limites do papel. é3 o papel que se espraia, confundindo-se com a parede, e é a cera, o elemento difuso, através do espaçamento quase geométrico dos dentes, que ordenará o todo, definindo o acontecimento artístico. Enfim, nessa dialética do caos e da forma definem-se tanto o romantismo de Venosa como sua atualidade poética.