Não deixa de ser curiosa a associação que Luiz Camillo Osório de Almeida faz entre o trabalho de Angelo Venosa e o sublime
Não deixa de ser curiosa a associação que Luiz Camillo Osório de Almeida faz entre o trabalho de Angelo Venosa e o sublime, tampouco sei se Venosa concorda ou não com tal associação – até porque, uma vez parida a obra para o mundo, o artista deixa de ter "direitos" sobre ela... –, mas me incomodou o modo como as duas coisas, o trabalho de Venosa e o sublime, são postas juntas por Camillo. Já no que toca à leitura "romântica" de Venosa, os problemas não são poucos (en passant, não é simplista a definição de romantismo como a oposição entre o sujeito que fundamenta a verdade e o mundo que o seu eu fundamenta: é apenas programática, como programático foi o romantismo; e como toda formulação programática, ela tende a ser "sintética"), em especial se levarmos em consideração as possibilidades de uma atitude romântica nos dias atuais. Como exemplo, o próprio Beuys citado por Camillo (e nisto ele se engana: Beuys era certamente um romântico delirante, como todo alemão que se preza é, mas não um artista vinculado ao sublime) foi uma demonstração, pela negativa, das dificuldades de um projeto romântico. Se a obra de Beuys tem a força que tem, é preciso reconhecer que o seu PROJETO (e.g., todo homem é um artista, etc.) morreu com ele – antes mesmo, com a dissolução do Fluxus. O sucesso de Beuys como artista está na medida inversa de sua proposta política (N.B.: uma política da arte, e o romantismo deve ser entendido desta maneira, como uma política).
Aí está o primeiro senão à leitura romântica de Venosa: o romantismo é antes de tudo uma política da arte. Até que ponto podemos reconhecer na obra em questão uma política? Certamente, Venosa tem uma política para sua obra; mas será sua obra portadora de uma política? Não estou fazendo uma pergunta ingênua: sei perfeitamente que fazer arte, qualquer que seja, já é em si um ato político; aliás, qualquer manifestação nossa de vida é um ato político, na medida em que confronta (impõe...) um projeto de mundo sobre o real. Mas há políticas e políticas: existe uma política que se quer globalizante ou totalizante – como foi a proposta do romantismo – e existe uma política que abre mão da proposta totalizante, como o fez a geração de Venosa. No seu aparente romantismo está a negação do projeto romântico. A obra de Venosa é essencialmente uma obra que visa a interioridade do espectador, não a objetificação do sujeito (melhor dizendo, sua potencialização no real).
O próximo ponto que dificulta o entendimento romântico de Venosa vem na ligação que Camillo faz entre ele e o sublime. O sublime foi um conceito inventado essencialmente pelo romantismo, mas não esgotava o romantismo. O sujeito romântico podia ser identificado com o sublime, mas não necessariamente. É verdade que o trabalho de Venosa não é belo: e a beleza se opunha ao sublime, sendo aquela uma característica "feminina", enquanto o sublime era... "masculino" (! ). (O estudo de Jacques Lecercle sobre o Frankenstein de Mary Shelley e sua "fortuna póstuma" apresenta um dos melhores exemplos recentes de utilização destes conceitos para a arte do séc. XIX de que eu tenha conhecimento). O que diferencia o belo do sublime é a transcendência: o belo é um atributo por demais sensual (sensorial) para se prestar à transcendência. Esta é um atributo do sublime. E aí vem a pergunta: Venosa visa a transcendência? Me parece que não. A despeito de não serem belos, de não se pretenderem um colírio para a retina, e de visarem um efeito de estranhamento, eles são por demais materiais, objetos sensíveis em demasia para produzirem um efeito qualquer de transcendência. São de fato personalizados (como era personalizada a Natureza para os adeptos da teoria do sublime – cf. Turner) mas com uma personalidade do aqui e agora, que não paira, estática e atemporal, como em uma paisagem de Turner: não ameaça o equilíbrio do universo, como em suas tempestades, nem paira impávida como um dos seus pores-de-sol (perdoe-me, Santa Língua Portuguesa).
Ao contrário, a obra de Venosa parece ser uma legítima herdeira de seu tempo e de sua história. Os fracassos dos projetos de transformação pesam em demasia sobre os nossos ombros para que possamos adotar qualquer postura romântica conseqüente – exceto, é claro, para a classe média alemã e sua tradição hegeliana (sem o saber). Não creio na seriedade da teoria do pós-modernismo e de seu não-comprometimento com a história e, portanto, com as vanguardas, mas não estou pronto a admitir que possamos pensar o mundo com o olhar do romantismo. E nem creio que Venosa o faça. Sua escultura (não vi os trabalhos da exposição de Porto Alegre, mas um artista não muda tanto assim em tão pouco tempo) é fruto de uma mentalidade perfeitamente alerta para a história e para a arte que se seguiu ao romantismo; suas atitudes são especificamente contemporâneas e, portanto, anti-românticas em sua essência. Até porque uma cultura que teve um teórico do sujeito como Freud não tem mais o direito de acreditar na subjetividade como uma coisa: sabemos ser ela um mito, mito que está presente nas esculturas de Venosa - e presente como mito, não como reificação.