Quando a gente amadurece, percebe que a obra vira um disco quebrado, no bom sentido — diz Venosa. — Mesmo involuntariamente, voltamos ao mesmo ponto.

Matéria para O Globo por Daniela Name

Um equilíbrio entre pólos

Assim como Daniel Senise, Angelo Venosa também acredita que sua obra oscila entre dois territórios.

É como se eu pulsasse entre dois pólos — diz o artista. — Um deles é descontrolado, canceroso, barroco, podre, uma coisa mais fantasiosa. E o outro é algo que tenta ser absolutamente cartesiano, botar ordem nesta confusão, extrair um princípio disso tudo. Meu trabalho sempre ficou pulando entre os dois lados, e dos anos 90 para cá tendeu mais para o lado cartesiano, embora sempre tenha guardado uma memória do que eu já fui.

 

A exposição “Desenhos”, que ele abre amanhã, na galeria Mercedes Viegas, é uma prova de que a gangorra continua oscilando, o que só enriquece sua obra. Os 12 “desenhos” que ele apresenta são, na verdade, objetos de parede feitos ora de ferro, ora de alumínio, dialogando com a longa carreira do artista como escultor.

 

Com os trabalhos, Venosa se reaproxima de uma série criada entre 1997 e 1998. Na época, ele teve acesso a desenhos de um corpo humano fatiado em camadas, através do computador. Criou esculturas de vidro em que reproduzia as linhas do corpo em vários planos.

 

A sucessão de camadas ou planos — e a imagem que a imaginação do espectador cria com a visão do espaço vazio entre eles — sempre foi uma das marcas do trabalho do artista, que recentemente criou planos quase etéreos, preenchidos de ar, numa série de esculturas feitas com espelho e finos fios de metal.

 

Outra característica muito forte, que se relaciona com o lado que Venosa chama de “podre” ou “canceroso”, é a relação com corpos — humanos ou de animais. Ele já criou peças feitas com dentes e ossos. Sua escultura monumental batizada popularmente de “baleia”, que hoje está na praia do Leme e causou polêmica nos anos 90, ao ser instalada na Praça Mauá, não recebeu o nome da boca do povo por acaso: lembra mesmo uma carcaça e apresenta, em pesados arcos de ferro, as típicas camadas da escultura venosiana.

 

Os “Desenhos” na galeria Mercedes Viegas unem dois pólos. Em primeiro lugar porque mostram novamente as camadas — as fatias digitais do cérebro humano — embora elas tenham sido achatadas pelo artista num único plano. E também porque a escolha dos dois materiais — de um lado o ferro, sujeito ao “apodrecimento” do tempo; de outro, o imutável alumínio — aponta mais uma vez para a tentativa de equilíbrio entre o caos e a ordem, sempre perseguida pelo artista.

 

— Quando a gente amadurece, percebe que a obra vira um disco quebrado, no bom sentido — diz Venosa. — Mesmo involuntariamente, voltamos ao mesmo ponto.