Uma certa casualidade que faz com que os trabalhos adquiram um rumo totalmente daquele distinto daquele idealizado inicialmente. Talvez esse caráter intuitivo explique como suas obras - uma seleção delas pode ser vista a partir de hoje na na galeria Marília Razuk - trazem um forte componente inconsciente.
Marcada por uma aparente simplicidade formal, associada ao uso de materiais sedutores mas que representam riscos reais - como no caso dos trabalhos em vidro -,a arte de Angelo Venosa associa num mesmo elemento pulsões de destruição e prazer. O espectador sabe que pode se cortar, mas tem o impulso de tocar na escultura construída com perfis de vidro cortante, de se enroscar nas correntes e cordas dos trabalhos. Além dessa contradição entre sedução e risco, Venosa ressalta uma outra oposição que é parte constitutiva de seu trabalho: a contraposição entre uma ordem cartesiana, muito mecânica (talvez oriunda de sua formação como desenhista industrial) e uma atração pelo descontrole. "O que me interessa é algo oculto, uma emanação da potênciado trabalho. Você pode entender a gênese, mas não tem essa idéia de sentido", explica ele, acrescentando que o que sempre procurou fazer nessas duas décadas de dedicação às artes plásticas, foi tentar reproduzir no trabalho o processo de criação que ocorre no ateliê. "Você atira numas coisas até prosaicas e quando acha que chegou em algum lugar não tem nada a ver com que havia no início", diz. E acrecenta: é "como uma neurose, um disco arranhado." Essa característica não é algo exclusivo de Venosa e ajuda a compreender como ele se insere num contexto bem mais amplo, da produção contemporânea brasileira, dividindo com outros artistas como Tunga e Nelson Félix, por exemplo, esse interesse pelo poder simbólico dos materiais.
Além da mostra comercial, o trabalho de Venosa pode ser admirado em outros lugares da cidade. Ele é um dos participantes do Arte/Cidade, prorrogado até o dia 5 de maio. E uma escultura que ele fez para participar da mostra Território Expandido, do Prêmio Multicultural Estadão está sendo exibida na mostra da coleção de Patricia Cisneros, em cartaz no MAM. Nem o próprio Venosa sabia que a peça, uma homenagem ao psicanalista Jurandir Freire Costa, tinha sido adquirida pela colecionadora venezuelana.
Curiosamente, esta peça tem uma íntima relação com os trabalhos na Marília Razuk. Em vários deles repete-se a idéia de fatiamento, de subdivisão do objeto, como se ele estivesse sendo submetido a uma rigorosa análise científica, mas que no fundo não leva a nenhum resultado de fato. Apenas evidencia a instabilidade e a complexidade da obra, composta na verdade de um grande número de fragmentos. É o que ocorre, por exemplo, no perfil topográfico em cobre que o artista apresenta na exposição. Neste caso ele agregou ainda um outro complicante, a realização à distância. A idéia de trabalhar com cobre o atraia, mas ao invés de trabalhar manualmente o metal - maleável o suficiente para ser recortado com tesoura - ele decidiu usar um aparelho a laser, que só existe em São Paulo, e passou as orientações técnicas por e-mail, o que acabou gerando uma certa "sujeira", no resultado, que distancia a obra do projeto inicial.
Também não é óbvia a relação entre os belos trabalhos com correntinhas e espelhos e a instalação com cordas que pendem do teto feita para o Arte/Cidade, mas elas têm a mesma matriz em comum. "É como se você se movesse pelo olfato. Você segue uma trilha, mas não tem a ajuda da visão", sintetiza.
Angelo Venosa. De segunda a sexta, das 10h30 às 19 horas; sáb. das 11 às 14 horas. Marília Razuk Galeria de Arte. Avenida 9 de Julho, 5.719/ loja 2, tel. 3079-0853. Até 31/5
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