O escultor contemporâneo vive sob o assédio constante de um fantasma: o esgotamento das formas modernas.
A depuração exemplar da forma em Brancusi, a sua delapidação dramática e essencial em Giacometti ou a sua inopinada e singular emergência em Arp, por exemplo, investiam decididamente contra a tradição; por isto mesmo, detinham o valor de atos inaugurais. A liberdade moderna, como se sabe, acabou gerando um impasse estranho - como livrar-se da liberdade? Àquela aparente disponibilidade total para o novo sucedeu a impressão da impossibilidade inexorável do novo. Racionalizada e sublimada a forma em elementos, desmistificada e ironizada em objetos e coisas, a condição de existência da escultura passa a ser literalmente a de conseguir aparecer de um modo convincente no mundo, conseguir pesar e interferir no meio ambiente. E numa situação por assim dizer desencantada - nem monumento da tradição, nem determinação inédita do espaço.
Daí o aspecto compulsoriamente ambíguo, híbrido mesmo, das esculturas de Angelo Venosa. De saída não podem recorrer à autoridade da tradição, tampouco à originalidade moderna. Orgânicas mas literais, metafóricas porém casuais, nem construídas com elementos, nem esculpidas da matéria, elas são compelidas a buscar, de dentro para fora, de fora para dentro, uma forma de existir. A forma é o resultado de esforços sucessivos à caça da forma; a forma vem também ao acaso, como os vários achados em meio ao exaustivo trabalho físico; a forma acaba sendo ainda um comentário tragicômico sobre todo esse andamento truncado. A escultura pronta exibirá portanto um aspecto esdrúxulo, excessivo e precário, vago e agressivo. Aqui o corpo-a-corpo com os materiais não é um simples prelúdio para o triunfo do gesto ascético ou genial do artista; não, os materiais e o próprio caráter arcaico da operação resistem à boa-forma e impregnam a escultura de uma atmosfera "natural", em todo caso nada antropomórfica. Saturadamente históricas essas coisas adquirem por isto mesmo uma conotação pré-histórica.
O que intriga de imediato é o paradoxo da elaboração e reelaboração incessantes a serviço do incerto e do indefinido; o embate vigoroso e cansativo com a forma para alcançar quase o informe. O paradoxo é incontornável: para vir a ser ele mesmo o trabalho deve deixar para trás, exorcizar até, o fantasma das memórias modernas que habita e previamente nomeia cada uma de suas manobras, cada uma de suas possíveis figuras. Só ao termo, sempre ignorado, dos vários desdobramentos e encobrimentos vai emergir a sua forma específica - ela se especifica assim através de uma série de diferenças, só logra afirmar-se mediante reiteradas negações.
Embora partindo a interioridade, as esculturas de Angelo Venosa terminam sintomaticamente ocas. A interioridade é apenas uma armação em torno de um certo vazio; essa armação designaria uma configuração obsessiva cuja realização será entretanto negada pelas etapas seguintes. Estas etapas consistem exatamente em torcer, macerar e camuflar a feição inicial, visando, até certo ponto, desfigurá-la. Não haveria, pois, forma completa – uma sobra e um exagero constitutivos impedem a completude da escultura que permaneceria virtualmente em expansão. E talvez seja sobretudo a pressão da interioridade negada, a força do seu retorno à superfície, o que vai inchar a forma e visivelmente desproporcioná-la. Numa operação singular, a interioridade oca pressiona a superfície e desmascara a sua pele. E agora é o tratamento "arbitrário" da superfície, traiçoeiro com relação à estrutura, que sofre o contra-ataque.
Tais marchas e contramarchas, se não justificam, ao menos explicam em parte por que nos deparamos afinal com essa espécie de fósseis vivos: grandes volumes devoradores de espaço, inconsistentes porém, na medida em que não possuem peso correspondente; formas prementes mas tateantes, carregando um enorme potencial metafórico, com tendência ao alegórico inclusive, que se apresentam entretanto quase com pudor. Flagrantemente imaginárias, essas esculturas parecem querer interromper o livre curso das associações imaginárias. Uma certa necessidade de eludir imagens dadas, sugestões psicológicas mais ou menos correntes, é indispensável para preservar a indeterminação da obra de arte contemporânea. A sua forma de atração é diretamente proporcional à capacidade de não se deixar consumir.
Abril, 1986